Seria “Retrospecto” um soneto biográfico?

O maranhense Humberto de Campos Veras, nascido em Miritiba, que hoje leva o seu nome, deixou uma obra extensa e variada, incluindo crônicas e contos humorísticos, além de sonetos refinados, que o tornaram um dos autores mais populares em sua época. Com uma parcela substancial de sua bibliografia constituída de coletâneas de seus escritos, as quais constituem útil instrumento para a análise da vida cotidiana e literária dos anos 1910, 1920 e 1930 no Brasil, duas dessas obras eram de especial interesse de José Lima, que demonstrava grande satisfação com a leitura das “Poesias Completas” e dos contos de “O Brasil Anedótico“.

Dentre as poesias, José Lima afirmava que aquelas do “Coração” eram inspiradoras, em especial “Verdades“. Mas, havia o soneto chamado “Retrospecto” que, com evidente enlevo, recitou incontáveis vezes. Com especial brilho na face, parecia ter conhecimento a quem pertencia aquele passado e, em outros momentos, demonstrava uma certa identificação com algumas linhas das estrofes. Seria isso?

Em 1933, Humberto de Campos publicou suas “Memórias“, com a saúde já debilitada, na qual descreveu suas lembranças dos tempos da infância e juventude (1886-1900). A obra obteve imediato sucesso de público e de crítica, sendo objeto de sucessivas edições nas décadas seguintes. Uma segunda parte da obra estava sendo escrita quando de seu falecimento, em 5 de dezembro de 1934, aos 48 anos, vindo à lume postumamente sob o título de “Memórias Inacabadas“. Outra obra póstuma, cuja publicação ocorreu em 1954, foi o “Diário Secreto” mantido pelo autor em alguns períodos da década de 1910 e com assiduidade de 1928 até sua morte. A obra causou escândalo em razão de diversos registros e impressões pessoais feitos por Humberto de Campos a respeito de pessoas de grande notoriedade nas letras, política e sociedade de sua época, incluindo Machado de Assis, Getúlio Vargas, Olavo Bilac, e outros. Quem quer que tenha sido a inspiração para o soneto “Retrospecto”, pela temática, de certo que haverá personificação, sejam figuras do passado ou mesmo do presente.

Retrospecto

Vinte e seis anos, trinta amores: trinta
vezes a alma de sonhos fatigada,
e, ao fim de tudo, como ao fim de cada
amor, a alma de amor sempre faminta!

Ó mocidade que foges! brada
aos meus ouvidos teu futuro, e pinta
aos meus olhos mortais, com toda a tinta,
os remorsos da vida dissipada!

Derramo os olhos por mim mesmo… E, nesta
muda consulta ao coração cansado,
que é que vejo? que sinto? que me resta?

Nada: ao fim do caminho percorrido,
o ódio de trinta vezes ter jurado
e o horror de trinta vezes ter mentido!

O soneto foi obtido no livro “Humberto de Campos – Poesias completas – 1904 a 1931“. O exemplar, que ficou sob os cuidados de José Lima até o ano de 1986, foi adquirido por seu cunhado José Pedro de Brito em 1963.

As informações biográfica de Humberto de Campos foram obtidas no Wikipédia.

Por José Pedro de Brito Filho

2 comentários em “Seria “Retrospecto” um soneto biográfico?”

  1. Pedro, histórias simples e tão poderosas como essa precisam ser contadas mais vezes. Ao ler o texto, fiz uma ‘viagem’ no tempo não vivido, não retrospectivo. Mas ainda assim era como se lá eu estivesse. Assim como acontece com você, também creio que, para José Lima, o soneto tenha sido muito mais do que um poema bem escrito. A métrica precisa do texto em verso, por certo, combinava-se com lembranças as quais jamais teremos acesso, mas que podemos livremente imaginá-las.

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