José Lima dos Santos nasceu em 1922, momento muito importante para a arte brasileira, ano em que foi criada a Semana de Arte Moderna em São Paulo.
O pintor José Lima, como ficou conhecido o meu Tio Lima, era irmão da minha mãe, Ana Lima. Homem talentoso, criativo, culto e brilhante! Era um tio carinhoso e generoso.
Tive a sorte de conviver, com o Tio Lima, desde a minha infância, nos períodos em que ele permanecia em Estância/SE e posteriormente quando o visitava no Rio de Janeiro, onde ele residia.
Sua chegada em Estância, era uma festa, principalmente para nós, seus sobrinhos.
Ele gostava de fazer brincadeiras inteligentes para desenvolver o nosso raciocínio, distribuía muitos presentes e nos levava para saborear pizzas no restaurante do Geraldo, sorvetes na sorveteria Primavera, pitus e camarões no restaurante XPTO e no restaurante da Dona Lúcia.
Sempre nos incentivou nos estudos e vibrava com as nossas conquistas. Fui presenteada com muitas coleções de livros.
Observar o Tio Lima deixando brotar sua arte em seu atelier, era para mim, um verdadeiro deleite. Ainda criança, com a desculpa de ir pegar balas e chicletes, eu ficava ali por um bom tempo, admirando aquelas pinturas, algumas das quais ainda inacabadas.
Quando Tio Lima se aproximava da tela, algo de muito mágico acontecia, entoava uma canção em italiano, erguia sua mão com um pincel e começava a fazer uns traços na tela. Cantava um pouco mais e aqueles traços ganhavam forma. Estava pronto o esboço do quadro.
Em algum ponto da tela, fazia incidir um raio de sol que dava um efeito de luz e sombra, muito próprio do seu estilo. Desta forma, dava vida ao quadro. Ele sabia tocar a alma do observador.
A canção que mais ficou gravada em minha memória e que para mim se tornou a sua marca foi “Santa Lucia”, belíssima canção italiana, de Teodoro Cottrau:
“Sul mare luccica l’astro d’argento
Placida é l’onda, prospero é il vento
Sul mare luccica l’astro d’argento
Placida é l’onda, prospero é il vento”
Era emocionante ouvir a sua voz forte e afinada rompendo o silêncio daquele atelier, ao mesmo tempo em que criava sua arte. Assim era Tio Lima, cantava enquanto pintava e dançava com a vida que escolheu e que tanto amava.
A minha admiração por sua obra, só crescia. Quando passei no vestibular de Medicina aos 18 anos, fui agraciada por meus pais com uma viagem de férias ao Rio de Janeiro e um dos meus passeios preferidos era ir de ônibus do apartamento do meu tio em Botafogo para seu atelier em Copacabana, onde permanecia até o final da tarde. Lembro-me que ficava ali observando-o e admirando a sua habilidade e técnica.
Ambidestro, quando fazia o esboço na tela, além de alternar o uso das mãos, era comum vê-lo usá-las simultaneamente, numa simetria perfeita.
A minha formatura se aproximava e Tio Lima desejava saber qual o presente que eu gostaria de receber. Respondi que queria um quadro dele. Eu sabia que com tantas encomendas de quadros, meu presente certamente iria demorar muito tempo para chegar. Não consegui esperar muito, logo achei uma forma de comprar um quadro dele, sem que o mesmo desconfiasse que seria para mim.
Certo dia, ao chegar em minha casa e ver o quadro na parede principal, ele ficou aborrecido e tentou pegar suas malas para ir embora, porém, com sua natureza sábia, entendeu que se tratava de uma admiradora no “modo desespero” para adquirir sua obra. A paz voltou a reinar entre nós e logo voltamos a ter nossas longas conversas sobre Arte, Medicina, Literatura, História, Direito, dentre outros assuntos que transitava com a segurança que só se adquire por meio do conhecimento.
1987
Fevereiro – O pintor José Lima se despediu da vida, mas se eternizou na sua arte.
Outubro – Nasceu meu querido filho, Celso Henrique de Aquino Teixeira, “Celso Teixeira”, também artista plástico.
Para mim, foi o início de mais um ciclo de amor, respeito e admiração por um grande artista.
Por Ana Maria das Graças Santos Aquino