No próximo dia 23 de agosto celebram-se cento e um anos de nascimento de José Lima dos Santos, ou J. Lima, como o artista assinava suas obras.
Pela data, foram reunidas mais de 20 telas adquiridas por diversos colecionadores e, sob a curadoria de José Pedro de Brito Filho, seu sobrinho e família, está cartaz a exposição “José Lima, acervo afetivo”, no Palácio Museu Olímpio Campos, Praça Fausto Cardoso, Aracaju, até o dia 2 de setembro.
Há um silêncio quase obsequioso na pintura sobre tela de José Lima. O silêncio dos mosteiros, claustros, das catedrais, das abadias, igrejas e das capelas isoladas durante os intervalos das missas.
O mesmo silêncio que J. Lima precisava para produzir sua arte que, tanto encanta o público e muito mais os colecionadores. Pode-se imaginar que lhe coubesse ouvir, enquanto pintava, música erudita, canto gregoriano, por exemplo. O que seria uma trilha sonora perfeita para os ambientes sacros e os momentos que ele ali vivia.
A propósito, J. Lima também fora músico. Ironicamente, foi a música que o fez perceber, a certa altura, estar o coro de jovens por ele conduzido com o volume de voz baixo, mas, na verdade, ele é que estava perdendo a audição.
Se não havia motivo para o silêncio obsequioso, pois J. Lima fora apenas seminarista, parece que a natureza conspirava para que o silêncio lhe fosse uma dádiva. A execução, tanto das telas quanto dos painéis, exigia-lhe grande concentração e o silêncio era fundamental.
Tendo sido o terceiro de oito filhos, desde cedo J. Lima rabiscava as paredes com carvão, o que lhe custaria frequentes castigos dos pais católicos. Sua aptidão artística iria levá-lo em 1934, aos 12 anos de idade, para o Seminário Seráfico de Esplanada.
No Seminário, ele teria a oportunidade de aprimorar suas habilidades artísticas. Foi necessário ser seminarista para se certificar de que sua vocação não era ser padre, mas artista.
Na Escola de Belas Artes da Bahia, com o renomado mestre Prisciliano Atanagildo Isidoro Rodrigues da Silva, J. Lima se aperfeiçoou na técnica de pintura do óleo sobre tela.
Já os mestres Aldo Mezedini e Tito Ridolfi, na Itália, para onde foi e por lá permaneceu por três anos, o aprimoraram no mister da pintura decorativa de templos.
A fé e o fato de residir por tempo suficiente no seminário, universo estritamente católico, o marcariam. Isto foi traduzido nas pinturas de ambientes solenes, sob certa atmosferas de reverência propícia para atos de contrição dos crentes na fé católica apostólica romana, na hora da expiação dos pecados e suplicar a misericórdia de Deus.
Característica fundamental na pintura das suas telas é aquela luz em gradações se encaminhando para a sombra, e que não chega à escuridão, porque o artista contém a senhora suprema de todas as cores: a luz.
Usar a luz no alto contraste, no jogo do claro-escuro, é onde a pintura neoclássica se firma. J. Lima, no entanto, nas telas nas quais fez suas releituras dos interiores sacros, como as sacristias, flerta com a penumbra constantemente, dando aos ambientes uma luz diáfana, não revelando assim com ela o inteiro teor dos objetos e dos ambientes.
Pode-se, então, identificar na sua obra a técnica do esfumado, sfumato, do italiano. Mesmo assim, uma porta, um vão ou janela, fresta ou linha de luz do ambiente externo, quando surge como detalhe, revela o seu poder de definição dos espaços com luz, distinguindo-os aos da penumbra.
Se nas telas J. Lima evita o contraste radical, nas cores dos seus retábulos e nas grandes pinturas de teto, suas cores são vívidas e brilhantes. Cores tonais são encontradas nas suas naturezas mortas, bem típica da pintura neoclássica.
Ao longo da sua jornada, J. Lima veio a assinar seis grandes trabalhos em templos: na Catedral de Nossa Senhora da Guia, em Patos, na Paraíba, na Catedral de Nossa Senhora das Vitórias, Vitória da Conquista, Bahia. Na igreja de São Januário e Santo Agostinho, no Rio de Janeiro.
Em Estância, Sergipe, decorou a capela-mor da Catedral Diocesana de Nossa Senhora de Guadalupe e a Capela do Asilo Santo Antônio. São pinturas de teto e parede, onde é evidente o esplendor dos santos católicos. Isto o fez ser conhecido como o “Pintor das igrejas”.
Nascido na distrito de Altamira, município de Conde, na Bahia, J. Lima fixou residência no Rio de Janeiro, onde faleceu aos 64 anos, mas morou em Salvador, Recife e Estância, Sergipe, Estado pelo qual tinha bastante carinho e mantinha laços afetivos, pois aqui morava grande parte dos seus parentes. Sobre isto, ele afirmava: “A Bahia é meu berço, o Rio meu trabalho e Sergipe meu lar”.
Por Antônio da Cruz
Artista Plástico e Ativista Sociocultural
Artigo publicado no Ateliê Inculca e no JL Política & Negócio